A bicicleta tem sido protagonista em diversas frentes e para inúmeros fins no meio social e urbano. Os serviços de entregas realizados por ciclistas, conhecidos como bike messengers ou bike couriers, é um destes movimentos que ganha destaque, pelo seu aspecto econômico, sustentável e, claro, por ser eficiente e rápido!
Revista Bicicleta por Raoni N. Dias
Janeiro / 2016
História
Com a chegada da revolução industrial e desenvolvimento de novas tecnologias, a bicicleta passou por algumas transformações e melhorias, tornando-se um veículo versátil e perfeito para serviços de entrega. Em 1870, empregados dos Correios de Paris já utilizavam a bicicleta para realizar o serviço de entregas oficial; 20 anos depois, em função da grande popularidade das bicicletas nos Estados Unidos, a empresa americana Western Union empregou ciclistas mensageiros em Nova Iorque, São Francisco e em outros centros urbanos do país. Este tipo de serviço se tornou popular e até a virada do século XX era bastante comum.
Com o desenvolvimento e evolução da tecnologia dos veículos movidos por combustível fóssil, o século XX ficou marcado pelo investimento na produção em grande escala de combustíveis, aliado a um processo de popularização dos automóveis, motos e outros automotores. Associado a esses fatos, o crescimento populacional das grandes cidades criou a necessidade de abertura de novas estradas e rodovias, ligando cidades e estados. O ritmo de vida nas grandes cidades tornou-se acelerado e, em meio a esse processo, onde se associava a potência dos motores à rapidez, gradativamente os ciclistas mensageiros foram substituídos pelos mensageiros motorizados, e a imagem da bicicleta passou a ser associada a um veículo lento e obsoleto, portanto, incompatível com a vida nas cidades.
Na década de 80, os grandes congestionamentos já faziam parte do cotidiano dos grandes centros urbanos, provocando atrasos e consequentemente prejuízos. Dentro do contexto caracterizado pelo famoso jargão da época, “time is money”, os ciclistas mensageiros voltaram a ganhar popularidade, principalmente em Londres, São Francisco e Nova York, como uma alternativa rápida, eficiente e ecológica de entregas de documentos importantes, produtos exclusivos e tudo o que fosse possível carregar em uma bicicleta.
Brazucas Mensageiros
Na década de 90, as questões relacionadas aos modelos de base capitalista adotados na maior parte do mundo começaram a ser repensados. Conceitos sobre formas de desenvolvimento sustentável, que buscam um modelo de crescimento econômico menos consumista e mais equilibrado com o ambiente, ganharam destaque, instigando as pessoas a buscar alternativas que permitam viver de forma menos estressante e mais equilibrada. No Brasil, a Eco 92 realizada no Rio de Janeiro impulsionou o debate destas questões na sociedade, que começou a buscar formas mais sustentáveis de convívio. E a bicicleta gradativamente volta a ganhar destaque na sociedade, pois se percebe que é um veículo que está totalmente inserido no contexto dos debates relacionados à sustentabilidade nas grandes cidades. Nesta década, surgem as primeiras empresas brasileiras de ciclistas mensageiros.
Como uma nova opção de serviço, ainda pouco conhecida no mercado, as empresas de entregas em bicicleta começaram, na sua grande maioria, na garagem da casa de um dos sócios ou um pequeno espaço comercial, e o serviço de entregas feito pelos próprios parceiros. O que motivava estes grupos, compostos normalmente de três a cinco pessoas, era a ideia de prestar um serviço ecologicamente limpo e rápido, fazendo o que mais gostam: pedalar.
São Paulo
Em São Paulo, os irmãos Rafael e Danilo Mambreti, fundaram a Carbono Zero Courier no final de 2010, e tinham como objetivo prestar o serviço de entregas utilizando somente bicicleta, uma alternativa sustentável ao uso de motos para realizar entregas a curtas e médias distâncias, em uma cidade onde há cada vez menos espaço. Sua primeira sede era localizada no Centro de São Paulo, no espaço Hub, um centro colaborativo de empreendedores sociais.
Thiago Mourão, 36 anos, gestor de operações, conta que seu primeiro contato com a Carbono Zero foi a pouco mais de três anos, através de um amigo que encontrou ocasionalmente numa bicicletaria de seu bairro. “Trabalhei durante dez anos como fotógrafo e editor de imagens”, conta ele, “e cansado da rotina de escritório e das dificuldades que o mercado apresentava na época, desestimulado por engordar alguns quilos e por enfrentar problemas pessoais, percebi que precisava redirecionar minha vida. Assim, tomei a decisão de deixar para trás a antiga profissão e buscar algo novo, que me permitisse voltar a ter um bom condicionamento físico e liberdade. Impulsionado por estes sentimentos, me candidatei a uma vaga na Carbono Zero e comecei a trabalhar como mensageiro freelancer, o que me dava mais liberdade. Além disso, este ofício era encarado como uma terapia, ajudando a superar meus problemas pessoais”. Nesta época, a Carbono Zero contava com doze bikers. Depois de começar a pedalar pela Carbono Zero, Thiago passou a realizar pedais de longa distância. Em 2013, por exemplo, completou todas as séries de Audax.
Segundo Leonardo Lorentz, sócio e gestor da empresa, “a Carbono Zero Courier completa cinco anos com mais de 100 pessoas em sua equipe, sendo 12 mulheres. Nossos bikers pedalam para mais de 700 clientes, desde grandes empresas como PwC, Bovespa, Microsoft, Fleury, EDP, Diageo e Santander, até ONGs e startups. Contamos com uma sede de dois andares em Pinheiros e uma base na Barra Funda, na capital paulista, além de outras duas bases nas cidades de Barueri e Santos. Para atender clientes em 20 cidades da Grande São Paulo e da Baixada Santista, a Carbono Zero utiliza, além de bicicletas convencionais, bicicletas e scooters elétricas e bicicletas dobráveis associadas ao metrô, dependendo da distância e tipo de entrega. A partir de 2016, começaremos nossa expansão para as capitais do sul e sudeste. Sabemos que nosso crescimento depende da nossa equipe, portanto, temos a preocupação constante em preparar os bikers com treinamentos em mecânica, primeiros socorros, alongamento, postura, nutrição, fornecidos por profissionais especializados, com o objetivo de trazer mais segurança à vida do ciclista e torná-lo mais eficiente nas entregas”.
O que começou com o sonho de dois irmãos em difundir uma nova forma de fazer entregas, mais sustentável e ecológica em uma cidade caótica, hoje contribui no processo de popularização da utilização da bicicleta como um meio ecológico, rápido e confiável de entregas pela cidade.
Outra história semelhante é de Emerson Violin, fundador da Bikentrega – Entregas Não Poluentes. Em 2010, Emerson já utilizava sua bicicleta fixa para se locomover pela cidade. Formado em Gestão e TI, trabalhava com vendas de equipamentos de informática em sua residência, no bairro de Vila Mariana. Em um dia comum de trabalho, um dos clientes comprou algumas peças que precisava com urgência, mas não tinha tempo de ir buscá-las, e Emerson decidiu fazer a entrega de bicicleta. Quando chegou ao local notou que o cliente ficou admirado e muito satisfeito por Emerson ter chegado até ele de bicicleta. Surpreso com a reação do comprador, ele começou a cogitar fazer de bicicleta as entregas dos produtos que vendia, e após amadurecer a ideia motivado pela possibilidade de trabalhar de forma mais livre, econômica e sustentável, decidiu incorporar a bicicleta ao seu trabalho.
Ao perceberem que fazia as entregas de bicicleta com eficiência, seus clientes começaram a ligar e pedir que ele fizesse outros serviços, como serviços em bancos, cartórios e outros. Emerson comenta que as demandas foram crescendo até que, em 2012, percebeu que teria que escolher entre a informática ou as entregas. Ele continuou com as entregas, mas em dezembro do mesmo ano sofreu um acidente enquanto pedalava, fraturando o ombro e rompendo ligamentos, o que fez com que se afastasse das pedaladas enquanto se recuperava.
Em dúvida sobre o futuro da Bikentrega, já que realizava sozinho o serviço de entregas, decidiu contratar uma pessoa para trabalhar enquanto passava pelo processo de recuperação, e durante esse período percebeu que estar atrás da mesa permitia a ele administrar melhor o negócio, fazendo novos contatos e a divulgação do trabalho. A partir deste momento a empresa foi crescendo e conquistando novos clientes, e atualmente conta com 12 mensageiros, além de Emerson, que continua a fazer entregas. Ele comenta: “não aguento ficar muito tempo sem pedalar, ficar alguns dias somente dentro da sala já me dá coceiras. E mesmo eu sendo o proprietário da Bikentrega, trabalhamos com uma política bem horizontalizada, onde todos têm espaço para opinar e participar das decisões. Além disso, o fato de eu pedalar e continuar a fazer entregas me aproxima dos mensageiros e me dá uma total noção do que eles passam no dia a dia”.
A Bikentrega já cobre boa parte da região metropolitana de São Paulo, entregando documentos, flores, remédios, refeições, roupas e todo tipo de encomendas. A demanda por entregas vem crescendo a cada dia, o que já cria a expectativa de começar a trabalhar com bicicletas elétricas para fazer entregas em locais mais distantes.
Percebe-se que todos esses empreendimentos começaram a partir de ideias de pessoas que tinham o desejo de mudar e contribuir para tornar a cidade onde vivem mais sustentável e humana. E encontra-se exemplos assim como os que apresentamos aqui, no Brasil inteiro, de norte a sul. O que começou com uma pequena ideia, em casa ou num espaço compartilhado, cresceu e tornou-se uma alternativa viável de entregas, representadas por essas empresas que hoje estão estabelecidas no mercado, composta por mensageiros que prestam um serviço rápido e confiável onde, além do papel ecológico e sustentável, geram emprego, renda e, sem dúvidas, felicidade.
Quer conferir a matéria completa?
Acesse: http://www.revistabicicleta.com.br/bicicleta.php?bike_messengers__entregas_rapidas_em_bicicleta&id=4623294